Páginas

[ Conto ] Tristes olhos verdes. ( Parte 1 )

Era uma tarde de sábado. Tudo estava ligeiramente tedioso e quando digo ligeiramente tedioso, digo MUITO tedioso. Estava um pouco frio, o que era estranho nessa época e eu estava zapeando pelos canais idiotas da TV. Propagandas, novelas sem um pingo de realidade, mídia sensacionalista, mais propagandas e um pseudo programa de comédia. Suspirei. Olhei pro meu celular pela milésima vez no mesmo dia, procurando uma mensagem de Kyle. Infelizmente, nada.
Percebi o quanto o odiava, não por causa das idiotices ou burradas ( que foram muitas, aliás ) mas porque percebi que enquanto gastava meu tempo considerando-o meu plano A, ele me jogava pra escanteio. Eu era só o plano B. E ele nem imaginava o quanto isso machucava. Apesar da minha vontade de esquecê-lo e dos meus esforços constantes pra isso, a ideia de esquecimento parecia não ser aceita pelo meu coração.

" Download de esquecimento de Kyle... >> 89% ... 90% ... 99% ... Desculpe, mas não podemos continuar. Download falhou e você, continue com o coração partido. "

Estava absorta em meio de meus pensamentos nada silenciosos quando percebi que uma chuva forte começou a cair. Corri para fechar a janela mas antes de fazê-lo percebi um garoto lá fora. Parecia da minha idade, talvez um ano mais velho. Usava óculos grandes e se abraçava para proteger o corpo do frio repentino e da chuva. Fiquei com pena e uma vontade grande de trazê-lo para cá. Mas sempre escutei meus pais dizendo : " Nada de abrir portas pra estranhos, nem que eles sejam fofos e estejam com frio. " Mentira, essa última parte eles não disseram mas você entendeu.

Apesar do frio e da água que entrava da janela, eu não conseguia fechá-la. Observei o garoto uma última vez e um ímpeto me fez gritar. Tapei a boca mas já era tarde demais. Ele olhou para trás, totalmente perdido. Nossos olhares se cruzaram e eu cocei a nuca.

- Não quer vir aqui? - Gritei.

- Está falando comigo? - Perguntou ele, ainda tentando se aquecer.

Corri pra porta e o chamei. Ele ficou meio receoso, mas veio correndo. Quando entrou, percebi que segurava algumas flores. Olhei pra elas e ele olhou pro chão, envergonhado.

- Tudo bem... - Eu disse, fechando a porta. - Antes de mais nada, como é seu nome?

Ele  tirou os óculos, muito molhados e percebi que seus olhos eram verdes. Os cabelos estavam bagunçados e um sorriso brotou em seus lábios.

- Miles. Prazer. - Ele disse, estendendo a mão pra mim.

Sorri e peguei sua mão. Fria e quase congelando. Percebi que ele tremia. Me xinguei por não ter percebido isso antes e corri para pegar uma toalha pra ele. Ele a pegou, tímido e colocou em volta do corpo.

- Não me disse qual é o seu nome ainda.

- Ah, desculpe. Meu nome é Ashley.

Ele sorriu.

- Prazer Ashley-que-deixou-um-estranho-entrar-mesmo-sem-saber-se-ele-é-perigoso.

Eu ri.

- Prazer Miles-que-tenho-certeza-que-não-é-perigoso-por-isso-deixei-entrar.

Ele riu também. E ficamos em silêncio por um tempo. A chuva lá fora caía cada vez mais forte e até eu já estava ficando com frio. Frio na verdade não era a palavra ideal, eu estava mesmo era congelando. Pedi que Miles sentasse em uma cadeira enquanto eu pegava um casaco pra mim e ele sentou.

Não sei o porquê, mas eu estava estranhamente nervosa. Não um nervosismo doentio do tipo que ficamos quando vamos receber um resultado de uma prova importante, mas um nervosismo bom, tipo quando estamos numa montanha-russa ou algo do tipo.

- Então, Miles. Qual o seu sobrenome?

- Grace. Miles Grace.

- Seu sobrenome é uma graça.

- Rárá. Muito bom.*

Rimos e começamos a entrar naquele silêncio estranho novamente. Odiava ficar em silêncio. Sempre é constrangedor. Sempre.

- Então... Eu vou pegar chocolate quente pra mim. Você quer?

Ele esfregou as mãos e olhou pro chão. A timidez dele me fazia querer abraçá-lo e só por um momento, parei de pensar em Kyle.

- Se não for incomodar.

- Não, com certeza não vai.

Ele sorriu em agradecimento e eu sorri também, entrando na cozinha, pegando dois copos e colocando o líquido fumegante neles dois. Voltei para a sala e vi que Miles tinha se levantado. Ele estava observando uma foto. A minha e a de Kyle.

Droga, droga, droga!

- É seu namorado? - Ele perguntou, pegando o copo de minhas mãos.

- Era.

- Ah. - Ele disse, ficando ligeiramente vermelho. - Desculpe, eu não sabia que...

- Tudo bem. - Eu disse, pegando a fotografia e olhando-a. - Eu não sei porque ainda guardo essa foto.

- O que aconteceu?

Sentei no sofá ainda olhando pra foto. Sorri lembrando dos bons momentos. Aliás, só agora descobri, que esses bons momentos nãos tinham sido nossos eles tinham sido só meus. Não tinha sido correspondido como pensei. Era tudo farsa.

- Eu o tratei bem demais pra depois perceber que ele nem sequer cogitava a ideia de realmente me valorizar. Resumindo : Pra mim, ele era o plano A. Pra ele, eu era o plano B.

Ele assentiu e olhou pro chão.

- Minha vida amorosa também não é das melhores, se isso te serve de consolo. - Ele disse, olhando pras rosas molhadas que ele havia deixado em cima da mesa.

- O que aconteceu? - Imitei-o.

- Longa estória.

Olhei pra chuva forte que ainda caía lá fora e olhei pra ele. Os olhos verdes tão bonitos pareciam carregar alguma coisa forte. Uma expressão de tristeza. Era isso. E por mais que eu não o conhecesse tão bem, fiquei com uma vontade enorme de desvendar seus segredos e saber o que realmente tinha acontecido e quem tinha partido o coração de alguém que parecia ser tão legal.

- Estou disposta a ouvir. - Disse.

Ele sorriu e ergueu o copo seco que antes estava cheio de chocolate quente.

- Só se tiver mais chocolate quente.

Sorri.




* Grace significa graça em Inglês.

2 comentários

Layout por Maryana Sales - Tecnologia Blogger