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Defeito de Fábrica






Nunca fui o tipo de garota perfeita. Aquelas com longos cílios, um corpo esbelto e vários garotos a seus pés. Não, longe disso. Sempre fui aquela desajeitadinha de óculos, inteligente e que ama livros. Aquela que o cupido passa perto, mas desvia e grita "Olé.". Aquela que sempre foi tida como defeito de fábrica, no meio de tantos robôs perfeitos prontos pra impressionar. Aquela que, apesar de ter a língua culta como prioridade, usa gírias quando quer. Aquela que não se importa com o que os outros vão pensar ou deixar de pensar. Aquela que sempre teve corações partidos e que aprendeu com cada um deles. A que prometeu fechar o coração, e que se diz forte o bastante e realista até demais. Mas, na verdade, espera todos os dias pelo cara que irá valer a pena, aquele que trará de volta os pedaços de seu coração que foram levados pelo tempo.

[ Conto ] Tristes olhos verdes. ( Parte 3 )

Alguns dias se passaram desde que vi Miles pela primeira vez. Os olhos verdes marcados pelas decepções ainda povoavam meus pensamentos. Apesar de 90% do meu tempo ainda ser dedicado a tentar esquecer Kyle e todas as suas idiotices, Miles ainda conseguia desviar um pouco minha atenção. Os 10% que restavam eram dele. Depois de toda aquela estória completamente maluca de nos encontrarmos com corações partidos por causa de uma chuva ( Não, eu não acredito em coincidências, mas meu Deus! ), trocamos os números e prometemos telefonar um ao outro de vez em quando. Desde então, não paramos de nos falar.

Descobri que ele trabalha em uma lanchonete, meio período para ajudar a mãe em casa. Ele me disse que seu pai morreu, quando ele ainda era muito pequeno e agora que já podia trabalhar, sentia-se no dever de ajudar sua mãe no que fosse preciso. Adorei a atitude. Tinha uma irmã menor chamada Mellanie, e a amava muito.

Ele também perguntava coisas sobre mim, mas sempre fui muito fechada. Dizia uma coisa ou outra mas preferia ouví-lo. Nunca fui fã de confissões ou coisas do tipo. Minha vida era minha, e se quisessem saber mais sobre mim, tinham que descobrir. Confiança é uma coisa muito fácil de se quebrar e segredos são os primeiros alvos de uma possível vingança. Sei que posso parecer meio neurótica com relação a isso, mas já me decepcionei muito com tudo isso e sei por experiência próprio que segredos são feitos para serem guardados.

***

Era fim de tarde e eu resolvi fazer uma surpresa pra Miles. Ele tinha falado o endereço da lanchonete onde trabalhava pra mim e eu resolvi que estava na hora de vê-lo novamente. Torcendo para ver alegria novamente naqueles olhos verdes. Peguei um casaco, pois estava razoavvelmente frio naquela tarde e comecei a andar pelo bairro, com um pequeno papel na mão que dizia o endereço da lanchonete de Miles.

O vento frio que batia em meu rosto, fazia com que eu mantivesse minha mente limpa de pensamentos e eu gostava disso. O som que o vento fazia, tirava a minha atenção e eu fechei os olhos, instantaneamente. E aí, do prazer veio a dor. Um baque surdo fez com que eu me desequilibrasse e caísse fortemente no chão gelado. Meus olhos pareciam se recusar a abrir, ou se estivessem abertos se recusavam a formar imagens. Uma paisagem escura, alguns sons, dentre eles : vozes de pessoas, alguns gritos e eu tentava dizer alguma coisa mas minha boca não queria abrir. Quando tentei falar, senti um forte gosto de sangue na boca e percebi que minha cabeça latejava. Depois do que me pareceram infinitos minutos, consegui abrir lentamente os olhos, a única coisa que consegui ver foi um par de olhos verdes, não tristes nem alegres mas desesperados.

- Ashley? Ashley, você está ouvindo?

Queria dizer que sim, mas me deixei levar pelo sono que me levava embora. E eu pensei que era o fim.

***

Abri um olhos e avistei um local estranho. Eu estava em uma cama pequena e desconhecida. Tinha cheiro de amaciante barato e por mais que não parecesse, era muito bom. Tentei fechar os olhos e abrí-los novamente para ver se eu não estava sonhando mas quando os abri novamente, vi as mesmas coisas nos exatos lugares onde estavam antes e eu percebi que realmente estava em um local diferente.

- Ah, graças a Deus você acordou. - Uma voz rouca me tirou de meus devaneios. E apesar de conhecê-lo apenas há alguns dias, eu reconheceria essa voz em qualquer lugar do mundo. Mesmo que ele estivesse falando Japonês com um monte de biscoitos na boca. ( Mentira, eu não entenderia. E eu exagerei na metáfora, desculpe. )

- Miles... Como você está?

Ele riu e passou a mão delicadamente em meu rosto.

- Sua louca. Como eu estou? Eu que deveria perguntar isso.

Franzi a testa.

- Seria meio estranho. Afinal, você deve saber como está se sentindo.

Ele revirou os olhos e começou a mexer em meus cabelos.

- Você está se sentindo bem?

Assinto mas quando tento sentar na cama, sinto que meu corpo inteiro dói e caio para trás com tudo.

- Aaaaaaai! - Exclamo, sentindo a dor profundamente.

- Pelo amor de Deus, Ashley. Nem internada você se aquieta?

Foi aí que percebi que eu estava em um hospital. Miles estava sentado em uma poltrona ao meu lado.

- O que aconteceu para eu vir parar aqui?

Ele franziu a testa.

- Não se lembra?

Neguei.

- Você foi atropelada em frente à lanchonete onde trabalho. Você não faz ideia do quanto eu fiquei preocupado sua maluca. Algumas pessoas disseram que vocês estava andando de olhos fechados. Tem noção do quanto isso é perigoso? E se eu não estivesse lá? E se você tivesse morrido? Eu sei, eu não deveria estar tão louco, mas...

Dei um beijo em sua bochecha e ele calou a boca instantaneamente, ficando vermelho logo em seguida. Era tão fofo.

- Obrigada por ficar aqui. Obrigada mesmo.

Ele sorriu, coçando a nuca.

- Você é minha CPCP esqueceu?

Sorri ao perceber que nossa primeiro piada interna já tinha sido criada.

- Qual a probabilidade de se perder os CPCP depois de alguns dias de conhecê-lo? - Perguntei, usando uma expressão pensativa.

Ele riu.

- Não sei... Qual a probabilidade de se ter uma CPCP linda e que me faz sorrir direto?

Sorri instantaneamente.

- 100% com certeza, meu caro.
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